quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Ter um cão...

Cá em casa mora um cão, ou melhor, uma cadela, e muitas, muitas vezes me tenho perguntado que espécie de feitiço se terá apoderado de nós quando lhe pusemos a vista em cima, já que é um feitiço que dura, que se multiplica, que nos faz suspirar de cada vez que ela é apenas o que é, uma cadela.
Sejamos objectivos: ela é, por mais voltas que lhe queiramos dar, feia. Orelhas pontiagudas; focinho afunilado, meio lobo, meio raposa; olhinhos castanhos e deveras míopes onde não se vê o branco; um nariz esponjoso e perenemente molhado; uma língua babosa, encharcada; pêlo que se acumula em camisolas, pelo chão, por toda a casa; dentinhos (ou melhor dentões) sempre prontos a fazer disparates - seja roer brinquedos do bebé a estraçalhar t-shirts da menina. Rouba comida, desde as coisas mais usuais como bifes que estão a descongelar até cenouras e cascas de batata (gosta especialmente de cenoura). Tem um vozeirão de trovão que assusta o carteiro, os homens das entregas e a ocasional visita menos avisada. Quando gosta de uma pessoa tem tendência a pendurar-se nela, não sabendo que, com cerca de quarenta quilos, não é propriamente pequenina. Tem um certo ar de ursa e os ursos não são bonitos, ou são? Sejamos rigorosos, ela é muito feia.
É tão feia que vamos muitas vezes na rua e as pessoas mudam de passeio para não se cruzarem com ela, mesmo que ela vá na sua vidinha de cão, muito entretida a cheirar tudo e a tentar arrastar quem a passeia. Quem se aproxima normalmente fá-lo porque acham que é algum cão de guarda daqueles bem ferozes, muito ao gosto das forças especiais e eu nunca conto que, se ela fosse fazer alguma prova de coragem, envergonharia para sempre os pergaminhos de bravos cães de trabalho que lhe correm no sangue, pois é uma medricas, que se mete na nossa cama quando ouve trovões e que tem medo do Yorkshire da vizinha (o meio termo entre cão e rato deve confundi-la). Não a treinámos para ser feroz, criámo-la apenas como um membro da família.
Ela é feia, não duvidem, mas então, porque é que nos derretemos todos quando ela mostra a barriguinha e sorri para nós com toda a dentuça (os cães sorriem, não sabiam?); porque me desvio, na MINHA cama, quando sua excelência quer repousar a meu lado? Porque adoro escová-la, limpá-la e me preocupo se o nariz está seco, se dorme mal, se o veterinário não atende e eu imagino que ela está doente? É que ela é tão feia!
Já dizia a minha avó: «Quem feio ama, bonito lhe parece.». Será isso? Será que no meio de tanta baba e hálito a cheirar a borrego da ração, cá em casa vemos beleza?
Beleza no amor incondicional que nos retribui; beleza na forma como não abandona um de nós quando está doente; beleza na forma como se levanta e sai do caminho quando o bebé passa; beleza na forma como é companheira incansável da Miana nas correrias pelo quintal; beleza na forma como adora ser atormentada pelo meu marido com pauzinhos e brinquedos nos passeios que adoram dar juntos e, até, como é possível, beleza na forma como me levanto de madrugada quando ela chama por mim porque tem calor e precisa de mais água.
Beleza porque ela é nossa, incondicionalmente, porque entrou na nossa vida e demonstra que nos ama a todos, querendo apenas em troca alguns mimos que são poucos para toda a dedicação que decidiu votar-nos.
Porque é realmente um mistério: é feia e peluda, mas é nossa. Nós somos dela, os humanos dela, e temos a graça e o privilégio de a ter como cão.

domingo, 16 de setembro de 2012

Esta senhora teve o meu coração

Ontem, numa varanda da avenida de Berna, protestava uma senhora com uns 80 anos. Via-se que já não conseguiria acompanhar a marcha, que já deveria arrastar os pés, que provavelmente o coração lhe falhava. Porém, protestava com uma raiva, com uma gana que envergonhou muita gente bem mais válida que decidiu ficar em casa.
Pessoas como essa senhora, como a avó do meu marido, como a minha avó, que deviam gozar os seus últimos anos em sossego vêem agora o seu amado país transformado num destroço, minado pela corrupção de quem não entende que já basta.


Esta senhora teve o meu aplauso e o meu coração com ela. Não quero, não posso deixar que ela e as outras avós deste país estejam tão sem esperança, tão zangadas. Quem a viu sabe que ela e as outras como ela merecem que lutemos por Portugal.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Primeiro dia

Não há volta a dar, hoje foi um dia mesmo especial cá por casa. Hoje, dizia eu, depois de vencida a custo a constipação que assombrava 75% dos membros humanos da nossa família, o nosso Minho foi para a creche.
Palpita-me que todas as mães que já um dia deixaram um bebé de meses num sítio cheio de desconhecidas se sentiram como me senti nesta manhã, num misto de orgulho e receio, entre o querer dar asas ao passarinho para voar e a vontade quase irreprimível de o manter sempre comigo, de lhe dar mais mimo e atenção, de lhe poder dar colo em todas as horas.
Os imperativos têm muita força (diria até que demasiada) na vida de uma pessoa e, assim, já sabíamos que o Minho teria que abandonar o ninho e ir para a creche. Ora, eu sei que não sou mãe de primeira viagem e a verdade é que há muitas situações em que me vejo com mais calma, com mais serenidade, posso até arriscar (oh ego meu!) que com mais maturidade, a ultrapassar os pequenos obstáculos que são o dia-a-dia de ter um bebé pequeno. Não come? Não faz mal, a mãe prepara outro petisco delicioso na hora, em vez de passar a tarde a insistir no mesmo, como acontecia com a pobre irmã (falhando a mãe miseravelmente e ficando a menina toda contente porque não tinha comido o legume não triturado do dia). Está a fazer birra? Ora pode chorar um bocadinho enquanto a mãe toma banho, namora, dá atenção à mais velha ou faz outra coisa qualquer, em vez de ceder no momento ao capricho do infante só por não aguentar ouvir o choro ou ver o beicinho. Dorme a sesta antes do jantar fazendo prever uma noitada bem animada? Ora um dia não são dias e relativizar é bem melhor do que estar em stress que só visto a olhar para o relógio com fustigações mentais do quão péssima mãe somos porque o Vitinho já deu há que tempos.
Já tivemos cá em casa inúmeros primeiros dias de aulas e são sempre especiais, mas estes primeiros mais do que primeiros ficam sempre gravados na memória materna. Querem uma prova? No seu primeiro dia de aulas a minha filha mais velha levava vestida uma blusa de polka dot com um casaco a condizer, uma saia pelo joelho, menorquinas e um laço também com polka dot que lhe escorregavam teimosamente pelo cabelo liso. Quando a deixei à porta, cheirei-a para poder carregar comigo aquele cheiro bom a Johnsons e peganhice. Ela não se lembra minimamente disto.
Assim, neste primeiro dia de escola do Minho, chegámos e foi tudo confuso, naquele ambiente característico de local onde vários pais vão deixar os filhos de manhã. Havia bebés por todo o lado, de várias idades, a serem conduzidos para a sua salinha pelas mãos experientes de quem já tomou tão bem conta de centenas de pequenas pessoas ao longo de toda uma carreira. Porém, hoje uma dessas pequenas pessoas era minha, tão especial, tão única e tão perfeita que tive de me conter para não gritar à educadora a súplica que me queimava a garganta: «Trate bem o meu coração, vou deixá-lo consigo por umas horas. Devolva-mo inteiro, por favor.»
Ele lá ficou, feliz e contente, entretido a explorar brinquedos novos e a interagir com os seus pares. Dei-lhe um beijo e um xi-coração daqueles bem apertados, cheirei mais uma vez aqueles caracóis rebeldes que teimam em ser cada vez mais a cópia dos do pai e tive de me conter para não desatar ali mesmo num espectáculo pouco edificante de berreiro desalmado.
«Ele fica bem, mãe», disseram-me vozes compreensivas, cansadas de verem, ano após ano, este triste espectáculo que são trintonas com um ar relativamente composto ficarem transformadas em farrapos na hora da despedida. «Que ele fica bem sei eu,» - pensei, irritada, para com os meus botões - «mas eu é que não fico».
O meu marido sorria, inchado de orgulho no rebento mais novo, mas soube compreender bem este coração despassarado quando me abraçou com força, já lá fora, e me deixou soltar as lágrimas que tinha engolido.
Era um momento irrepetível. Mais do que uma sensação, fui invadida pela certeza de que a vida do meu filho nunca mais seria a mesma, que este era um momento decisivo na vida dele, um verdadeiro «primeiro dia do resto da sua vida».
Depois, os minutos continuaram a passar, tive mil e uma coisas a fazer que pareceram voar nesta liberdade recém-adquirida de ter mais tempo para tudo o resto e, quando dei por mim, estava de novo naquele sítio, com o meu bebé nos braços, absolutamente exausto da esfrega que tinha levado. E inteiro. Inteiro. Já tinha dito que estava inteiro?
Agora, há noite, pareceram-me poucos os minutos em que estivemos todos juntos novamente. De novo uma família. Depois de andar a suspirar por uns minutos para mim, hoje só queria ter as minhas crias bem juntinho e nem a birrinha de sono do Minho me tirou o sorriso do rosto.
Amanhã lá vai ele de novo. E a mana também vai abandonar-me e iniciar outro dos seus primeiros dias (tão crescida: hoje pôs a mesa, teve maneiras irrepreensíveis - algum dia o cotovelo havia de sair da mesa -, comeu a sopa toda e tagarelou alegre como um pintarroxo).
Eu vou ficar por aqui a pensar que tenho de ir comprar muita cola UHU para reparar este coraçãozito. Isso, ou marcar consulta num cardiologista.

domingo, 9 de setembro de 2012

Eu não tenho medo

No meio da «tempestade perfeita» que se abateu sobre este país, confesso que demorei um pouco a escrever este post. Estava a ver se conseguia digerir as fantásticas notícias que o sr. Coelho decidiu largar que nem uma bomba nas vidas de todos nós, no entanto, passadas mais de vinte e quatro horas, a verdade é que tenho um nó no estômago; há uma náusea que me turva a visão e não consigo, repito, não consigo digerir tamanha falta de vergonha.
Sou uma pessoa simples, pacata, mas não sou estúpida, não sou simplória e não admito que me tratem como tal. Acredito na democracia e sempre acreditei no poder do meu voto individual. Acredito que necessitamos de ser um bicho especial para sermos filiados num partido, que necessitamos de não nos importar de nos sujarmos para navegarmos no Estige que é a política (e não só a portuguesa - nunca vivi no exterior, mas sigo suficientemente as notícias internacionais para pensar que se passa o mesmo em todo o mundo). Não sou esse tipo de bicho. Falta-me o instinto.
Contudo, cheguei à conclusão que tenho de arranjar esse instinto, que tenho de fazer algo mais do que confiar no simples poder do meu voto, que tenho de sair para a rua, que tenho de bater o pé, de gritar, de dizer que basta: não sou estúpida, não sou simplória e atingi o limite no meu radar de aldrabices.
Nunca acreditei neste governo, não votei em nenhum dos partidos da coligação e onde havia quem visse consenso, eu só conseguia ver uma maioria que nada mais era do que um muro de betão onde se iriam esboroar as nossas lamentações. Não me alegrei nem afiei facas quando o senhor que está em Paris bateu com a portinhola. Tinha o instinto de que atrás dele poderia vir bicho muito, muito pior. Sem dúvida, é um instinto que gostaria de ter visto totalmente gorado. Não há prazer em dizer «bem vos avisei» (até porque não avisei ninguém, guardei as minhas profecias à la Cassandra só para os meus botões).
A noite passada fomos todos roubados, todos sem excepção. Foram roubados os pensionistas e reformados; os funcionários públicos e das empresas públicas (sim, o pessoal da TAP, da RTP e da REFER já ficou sem dois subsídios este ano, mas podem ser vendidos num qualquer leilão em São Paulo pelo sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, do Solário e da Pasta Pepsodent); foram roubados os trabalhadores do privado, mas também o foram os empresários que estão todos contentes e a esfregar as mãozinhas sapudas com a mão-de-obra mais barata (é bom que se ponham a exclamar «me love you long time» como gente grande, pois vão vender... a pele - eu ainda sou uma senhora) e foram roubados os profissionais independentes porque vai haver menos dinheiro para recorrer aos seus serviços, da tradução à ida ao dentista.
Já passou o tempo de agir e eu deixei-o passar. Não voltarei a cometer o mesmo erro, pois não posso deixar esta corja destruir o meu país, o nosso país, a nossa casa onde estão a entrar ao pontapé, partindo e roubando tudo. Este é, pois, o tempo de reagir. Ainda podemos manifestar-nos; ainda podemos escrever; ainda podemos falar; ainda podemos inundar a presidência da república, os nossos deputados, os nossos presidentes da câmara de e-mails e cartas; ainda podemos ir para a rua gritar e eu vou gritar (quem me conhece pessoalmente sabe que os meus gritos não são nada agradáveis).
Amigos que me lêem, pensem também em reagir um bocadinho: nós contamos, nós valemos qualquer coisa. Não somos estúpidos, não somos simplórios, não temos medo. Somos gente de bem, somos gente pacata, somos gente ordeira, mas esta casa é nossa. Não somos o velho cavalo que puxava o moinho, não temos palas, não somos obrigados a viver no consolo da escuridão, eternamente guiados por um qualquer amo.
Deixo-vos com dois versos de Dylan Thomas:

Do not go gentle into that good night
Rage, rage agains the dying of the light.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Infantilidades

Com tantos receios com o facto de arrastarmos um bebé de nove meses para o outro lado do Atlântico, com um furacão e tudo pelo meio, não deixa de ser irónico que a doença só nos tenha batido à porta quando pousámos os pezinhos em Lisboa, com o frio que se fazia sentir.
Cá em casa, só a Miana escapou a uma valente constipação (escapa sempre, nunca vi criança mais imune a vírus). Eu, o pai e o Minho estamos todos constipados.
Os adultos lá se vão arrastando, mas o bebé tem tido uma tosse bem feia e uma ranhoca nada estética a coroar-lhe o narizinho (com o bronze que adquiriu, parece que o fomos roubar aos gitanos andaluzes).
Assim, o que era a primeira semana da vida escolar do meu pequenino transformou-se na primeira semana enfiado em casa porque está doentinho.
Como eu sou como os miúdos pequenos, andava ansiosa pelo primeiro dia de aulas dele - ansiosa por tirar umas fotos dele com um bibe amoroso; ansiosa por saber como se ajustava; ansiosa por saber se ia gostar da comida... Enfim, eu quase não dormia de excitação e, agora, tenho estado em casa com ele, sem bibe, sem sorrisos e com muita baba e ranho à mistura.
Enfim, estou, obviamente, de muito mau humor e a fazer beicinho porque um vírus manhoso estragou a minha semana de «Anita mamã veste o seu Nenuco para a escolinha» e isso não se faz.
Para a semana tenho dose dupla, já que o Minho já deve estar recuperado e a Miana entra também na escola, mas já me sinto defraudada na minha excitação pueril.
Enfim, irei vingar-me este fim-de-semana a forrar os livros e a colar etiquetas em tudo o que seja da Miana (ritual que cumprimos sempre com um misto de sorriso e stress e que amamos as duas). Eu sei que é infantil da minha parte, mas adoro o regresso ao colégio: volto sempre a ter a idade deles.

sábado, 1 de setembro de 2012

Era bom, mas acabou-se... Em como as férias se parecem com o arroz doce da minha mãe.

Também aqui neste blog faltava o post a carpir o final das férias, mas nem sempre podemos pautar pela originalidade e a verdade é que, regressados da primeira aventura transcontinental do mais novo, bem queria escrever sobre algo novo, mas as férias ainda dominam os meus pensamentos (será isto uma depressão pós-ditas cujas?).
Foi um mês mágico, com direito a noites de jogos de tabuleiro, canasta e grandes partidas de sueca; dias de piscina com o Minho a rir às gargalhadas na água; tardes na praia a ver o entusiasmo da Miana pela canoa xpto que  os primos compraram e que originou passeios bem diferentes; muita comida boa; Internet reduzida quase a zero e, depois, a primeira grande viagem dos quatro que nos levou a atravessar o Atlântico, ouvir muita bachata e fugir de um furacão, sempre com um enorme sorriso nos lábios.
Foi também um mês em que apertaram as saudades do nosso quinto elemento, pois apesar de termos deixado a gorda num hotel todo catita, a verdade é que foram muitas as vezes em que nos sentimos incompletos, sem aquela língua pegajosa e o arfar constante dos quilos a mais emplastrados na nossa cama.
Acima de tudo, foi um mês em que se viu que os dez anos que separam os nossos filhos não são nada face ao carinho óbvio que os une. A paciência infinita da Miana, a forma como cuida do irmão com tanto desvelo e o amor puro que ele lhe retribui são os instantâneos mais preciosos com que regressámos para casa. Isso e as mil gracinhas que o Minho vai fazendo, como bater as palminhas e dizer adeus (ensinado pela mana, claro está!). Também guardamos com carinho o termos constatado que temos um verdadeiro bebé todo-o-terreno, que dorme em aviões cheios de crianças aos berros como se não fosse nada com ele; que come comida com nomes estranhos e fruta exótica com a felicidade estampada no rosto (obrigada grande à nossa pediatra que nos tem dado um plano de alimentação tão liberal que nos foi possível fazer a viagem sem 500 quilos de comida no porão) e que fez sorrir pessoas de várias nacionalidades, enquanto a irmã arrecadou um honroso terceiro lugar num concurso de dança em que era a única criança.
Destas férias, no meu coração, vai ficar sempre o nariz tostado pelo sol da minha filha, com aquele risquinho branco que só aparece quando está muito morena ou os passeios feitos pela praia, só eu e o bebé, às cinco da manhã, em momentos que foram só nossos.
E ficam ainda os muitos beijos roubados ao meu marido, o descanso naqueles braços que, muitas vezes, por causa de uma profissão complicada (há piores, bem sei), andam tão desencontrados de nós. Porém, nestas férias ele foi todo nosso: do mais pequeno para brincar com baldinhos e areia; da mais velha para treinar mergulhos e afundanços de sereia e meu para abraçar, beijar, dar a mão, passear e conversar muuuuuuito (coitado, deve ter um tímpano furado de tanta tagarelice).
Foram umas férias iguais ao arroz doce da minha mãe (que não é grande cozinheira, mas faz um arroz doce de estalo): tão, tão boas que as comemos todas por inteiro, com gula e prazer; tão, tão boas que nos alimentaram a alma.
Viemos destas férias uma família mais completa, mais unida, mais carinhosa e, portanto, posso dizer que foram as melhores férias da minha vida.
Que venham mais!

sábado, 4 de agosto de 2012

Iguaizinhas...

Toda a gente diz que eu e a minha filha somos iguais, que parecemos irmãs tal a parecença, que temos o mesmo tom de voz, o mesmo tipo de corpo, os mesmos olhos, o mesmo sorriso.
Toda a gente o diz, mas eu, como mãe, confesso que nunca vi essa semelhança. Sim, temos o mesmo tom de cabelo; sim, herdou os olhos grandes e negros da família do meu pai e também é pequenina como eu (se bem que um pouco mais alta, graças a deus!). Sim, isso é tudo verdade, mas em Portugal, 90% da população tem o cabelo castanho; 80% terá olhos escuros e, vá lá, grandes serão uns 40%. Ela é parecida comigo porque somos do «mesmo género» e, é bem possível que, em adulta, continuemos a ser. Mas fisicamente, é só isso. De facto, sempre a achei parecidíssima com a tia, apesar de todos teimarem que não, que não era, forçando-me quase a concordar para não levar o assunto mais longe (porque quase me sinto mal por eu, sua mãe, ser a única a achar que não somos parecidas, tal é a insistência dos que nos rodeiam).
Outro motivo porque nunca achei que éramos parecidas prende-se com os nossos feitios: ela é fogo, ar, turbilhão, eu sou a acalmia. A minha filha tem o condão de iluminar uma sala, de repararem nela onde quer que esteja e, já eu, tenho o condão de me fundir na paisagem, de estar no meu canto. Ela é completamente despassarada; não liga a nada do que é seu; vive num mundo feito por ela mesma e leva-me ao desespero com a desorganização perene que espalha por onde quer que passe. Em contraste, eu organizo livros como se estivesse numa biblioteca (por autores, cronologicamente, por temas e línguas), gosto de arrumar coisas por cores e confesso que passo demasiado tempo em blogs sobre economia doméstica.
Porém, hoje, a minha sapiência materna quedou-se estupefacta, pois essa verdade que eu julgava imutável, como se a diferença entre mim e ela fosse algo escrito na pedra, essa verdade, dizia eu, ficou virada do avesso.
Hoje a Mariana partiu para uma semana no Algarve com a melhor amiga e com os pais dela e o que, por esse facto, já se trata de uma data completamente assinalável cá por casa no geral e, em particular, para o meu coração de mãe-galinha, pois ela nunca foi assim, para «fora» com pessoas que não são da família (mas que são para lá de gente querida). Contudo, não foi esse o motivo da minha epifania materna.
Depois das peripécias várias que implicam verificar a lista de coisas dela, fechar a mala, voltar a verificar a lista, vestirmo-nos todos (eu, ela e o irmão de nove meses), deixar tudo pronto para ser só pegar na tralha quando a viessem buscar, lá conseguimos sair para ir tomar o pequeno-almoço. Estávamos sentados no café e notei-a mais apagada, menos faladora do que o costume, enfim, menos Mariana. Pensei que seria ansiedade pela semana de separação e disse-lhe que estava tudo bem, que ia correr tudo às mil-maravilhas, que seria uma diversão contínua. Respondeu-me, cabisbaixa, que não era isso:
- Então o que é, filha? - perguntei já de coraçãozito apertado.
- É que... estamos todos e o pai tem de estar a trabalhar... Não gosto de tomar o pequeno-almoço sem o pai.
E foi ali que se deu a revelação. A Mariana é muito expansiva em todos os planos da sua vida, é uma miúda extremamente carinhosa, mas não vocaliza nada os seus afectos e, muitas vezes, parecemos uns tontos de tanto perguntar se «gostas de nós, não gostas», «sabes que os papás te amam muito, não sabes». Enfim, mendigamos muito essa vocalização porque é rara e sempre foi assim, desde pequenina. Mas hoje percebi que, afinal, a minha filha-turbilhão, sempre uma alegria, sempre estrondo e animação, consegue ser a minha imagem no que respeita aos sentimentos, de uma reserva extrema, ciosa de partilhar o que é o seu íntimo. Vi-lhe nos olhos o quanto a incomodava, porque as saudades apertavam, o pai não estar connosco neste pequeno-almoço que tinha um cheirinho especial e vi, pela primeira vez, com extrema clareza, que afinal ela era tão, tão como eu, num plano fundamental da sua vida: nos seus afectos e nas suas demonstrações. Que, tal como em mim, os silêncios gritavam muitas vezes porque o que lhe vai na alma é irreprimível.
Eu pensava que éramos tão, tão díspares, tão extremadas nas nossas maneiras de ser e, afinal, hoje vi, claro como o dia, que somos, afinal, afinal, afinal, iguaizinhas.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Dia um da dieta

Vocês não têm dias de luta inglória? Dias em que pensam que o melhor teria sido ficarem na caminha???
Passo a explicar: assombrada pelos quilos remanescentes da minha última gravidez, decidi hoje começar a ter um pouco mais de cuidado com a minha dieta, mesmo a tempo (not!) de não assustar a minha família quando virem a versão J.-baleia na praia. Assim, portei-me super-hiper-mega-bem. Tomei pequeno-almoço, almocei um queijinho fresco e uma sopinha e bebi água. O pior é que depois, ao lanche, já só bebi um café e fui ao super cheia de vontade de comprar muuuuita porcaria. Porém, lá me arrastei com o carrinho do bebé por entre corredores estreitos, a fazer gincana para não atropelar as velhinhas que abundam aqui no meu bairro e que me parecem viver no super local e... e portei-me bem: só comprei produtos saudáveis.
Chegada a casa, teria tudo para acabar o dia em beleza, já que hoje é dia de cabaz e, portanto, dia de sopa com produtos biológicos e de fazer uma bela massada de legumes na wok.
O pior é que tenho uma besta de 43 quilos que está obcecada com um taco do chão e que o rói quando se sente só e abandonada, pelo que, quando cheguei a casinha, tendo arrastado o bebé, o carrinho e as compras pelas calçadas deste bairro (que reflectem a luz e tal, mas não são amigas dos carrinhos), tive de castigar a besta mandando-a para o canto do castigo na cozinha, repor o taco e começar a tentar dar um pouco de ordem à casa.
Entretanto, recebo mil-e-um telefonemas da minha mãe, ocupada a encher os netos de roupa e, quando finalmente a consigo despachar, percebo que o bebé está absolutamente fedorento e tem de ser trocado (o meu marido está a trabalhar até tarde e só vem à noitinha...).
Bebé trocado, reparo que sujou os lençóis. Não faz mal nenhum, pois troco por um conjunto lavado e hoje já tenho roupa para uma máquina só dele. Troco a roupa e reparo que a criança, que descobriu agora as alegrias do gatinhanço, está absolutamente insuportável com o sono. Tudo bem, faço-lhe o jantar, é um instante (e aproveito e concedo perdão à gordalhufa da cadela, recompensando-a com uma cenoura).
O bebé chora enquanto janta porque está para lá de Marraquexe com o sono, mas a coisa vai e o meu tio passa por aqui para passear a besta (eu não consigo porque ela pesa quase tanto quanto eu e ele é um santo que devia ser canonizado e faz-me esse favor quando o homem da casa não está). 
Fico feliz porque o bebé adormece logo a seguir ao jantar, mas a besta regressa e entra pela sala a ladrar furiosamente, pois estão a passar na rua os buldogues franceses do vizinho do lado, aos quais tem um ódio visceral. O bebé acorda. Demoro cinco segundos a perceber que hoje não há método Estivil para ninguém, porque estou cansada e tento adormecê-lo ao colo.
Voltam a ligar e nem sei quem é... Novo telefonema e, desta vez, é uma amiga minha, mas o bebé já dorme, missão cumprida. Ela, coitada, pela minha voz deve ter pensado que eu me ia atirar da janela com o cansaço, mas não.
Começo a dirigir-me para a cozinha para cozinhar o meu jantar saudável, mas decido vir dar uma espreitadela ao blog, só para ver se ele ainda aqui está.
Agora, já vi que o blog está bem, mas só de pensar que tenho de cozinhar, uma força invisível prende-me ao sofá, onde a besta está agora aninhada, cheia de vontade de receber miminhos.
Conclusão: assim se estraga uma dieta perfeitamente boa logo no primeiro dia. Não há esperança para o meu estado de baleia.

terça-feira, 24 de julho de 2012

De repente... estou a ficar velha

Quando era pequenina, os meus Verões eram passados na Serra da Estrela (pelo menos, até ao fatídico mês de Agosto, altura em que os meus excelentíssimos paizinhos tinham férias e nos arrastavam para as águas saudáveis e geladas da Ericeira enquanto os meus amigos chapinhavam no Algarve). Ora, dizia eu que passava os meus Verões na Serra e esta era repleta de encanto, altos pinheiros, nascentes frescas e cheias de seixos, um verde glorioso e poucas casas.
Há sete anos que não ia à serra e este fim-de-semana deparei-me com um espectáculo totalmente distinto: a serra está mais sofisticada; há funiculares nas ruas da Covilhã para ajudar a eliminar aquelas alturas impossíveis; a cidade surge alva, altaneira e imponente e, à distância, vemos uma enorme grua estacionada nas obras do antigo sanatório, que irá ser convertido num espectacular hotel de luxo.
Porém, com a sofisticação, quebrou-se o encanto da magia do estar só na serra. Há cartazes nas Penhas da Saúde que publicitam ali a construção de uma aldeia de montanha, tudo em contraste com os lanifícios abandonados que pululam em cada esquina da vila do Tortosendo e que me levam ao tempo em que o almoço era pautado pela sirene das mil-e-uma fábricas em uníssono (o meu avô não trabalhava numa delas, mas ao ouvir a sirene, também nós sabíamos que ele estaria a chegar).
Dizem-me que é o progresso e o progresso alegra-me, juro. Alegra-me já não ver miúdos ranhosos e com os pés descalços por aquelas aldeias, mas entristece-me saber que, no Natal, os lobos provavelmente não descem a serra até às vilas em busca de alimento (de preferência, na forma de algum cão ou gato abandonado). Entristece-me ver os nobres cães da Serra como pouco mais do que chamarizes turísticos na beira da estrada do Sabugueiro, sabendo que aqueles cachorros, que nasceram para guardar rebanhos, irão acabar, na melhor das hipóteses, a rebentar de calor nos jardins de uma vivenda em Santo Estêvão (ou talvez não, que os cães da moda são os Labradores, mesmo que sejam tapados que nem portas).
Dizem-me que isto é crescer, este misto de alegria e tristeza, este agridoce que me enche o peito. Dizem-me que não tenho saudades dos rebanhos ou do cheiro dos seixos do rio (cheiro a água, pura e metálica). Dizem-me que tenho apenas saudades de ser criança e que, como fui criança na serra, é da serra da minha infância que tenho saudades.
Dizem-me que, de mansinho, de repente, estou a ficar velha.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Da amamentação

Vocês não sabem, mas sou mãe de duas crianças quase sempre adoráveis. A mais velha já é alta e espadaúda, tem opinião sobre tudo e dedica-se, depois das notas miseráveis que coleccionou este ano a matemática, a escrever um livro estas férias (pois, só faz mesmo o que lhe dá na real telha). O mais novo é ainda um bebé, do qual só podemos dizer que tem sido um gordalhufo simpático desde que nasceu, com tendência para a bonacheirice, mas com ar de quem vai ser muito senhor do seu nariz (para não degenerar muito do resto do clã).
Ora, apesar de ter tido pouco sucesso na amamentação da minha filha mais velha, decidi, munida de mil e um fantasmas, voltar a tentar dar de mamar desta vez. E resultou. Resultou tanto que, até agora (e já lá vão oito meses e qualquer coisa), tenho amamentado.
O problema é que eu não gosto lá muito de dar de mamar. Não caia já o Carmo e a Trindade! O que se passa é que, apesar de adorar o elo evidente de ligação entre mim e o meu filho, apesar me derreter completamente com a satisfação com que bebe o leitinho da sua mamã e, acima de tudo, apesar de me sentir super-orgulhosa por conseguir fazer algo que lhe é tão salutar, a verdade é que odeio a prisão. Odeio não poder fumar um cigarro ou beber uma marguerita; odeio não poder tomar mestrunfices para emagrecer, como faço todos os verões (já estão a ver como sou saudável, não?) ou um simples Dolviran para uma dor de cabeça mais forte e odeio, most of all, não ser totalmente dona do meu corpo, ter parte de mim a empréstimo. Porém, consigo ultrapassá-lo porque sou uma mãe galinha de primeira apanha.
O que se passa é que, esta semana, me aconteceu algo que não nos dizem nos cursos de preparação: o sacana do miúdo já tem dentes e tem-me mordido o peito todo! Assim, um momento que não era o meu preferido, mas que era amplamente recompensado pelo bem que fazia ao meu filho tornou-se num momento de puro terror. Estou, constantemente, a retrair-me com medo de que me morda, sentindo-me completamente sitiada, o que retira completamente a aura simbiótica da coisa.
Depois de uma sessão de mordidelas ontem à noite, decidi, após convénio com o meu doce marido, dar por terminada a amamentação.
E hoje foi um dia absolutamente terrível, em que chorei baba e ranho por coisitas insignificantes e sentindo-me, enquanto comprava os biberões da praxe na Chicco e o leite na farmácia, como num dos piores dias da minha vida. Triste que só. Nem saber que podia finalmente fazer cavitação me animava. Sentia-me péssima. Chegada a hora da maminha, lá veio o meu marido munido do biberão com o líquido artificial, mas a cria, apesar de esganada de fome, deu dois goles e chorou, fez beicinho, com o queixinho a tremer e tudo, sem, no meio de tudo isto, deixar de olhar para o meu peito, lançando-me olhares suplicantes. Ou seja, era escusado estar a tentar enganá-lo, pois sabia bem o que era the real deal.
E assim foi: não resisti, peguei-lhe e dei-lhe de mamar. Todo o meu ser tinha de acalmar aquele desconsolo que lhe parecia vir do fundo da alma. Assim adormeceu, pacificamente, no meu regaço e eu senti um conforto extremo por poder dar esta felicidade ao meu filho. 
Vi-me assim derrotada e escrevo agora com a certeza de que a maminha se irá prolongar por mais uns tempos. Pelo sim, pelo não, vou sonhando com a cavitação cobiçada, pode ser que a cria se deixe enganar um dia destes...

domingo, 8 de julho de 2012

Sai uma Água das Pedras

Passo eu aqui os dias combalida, a pensar que nada de novo sucede, que as notícias se assemelham sempre ao mesmo, quando, de repente, passo uma semana sem televisão e Internet, desterrada num sossego tão bom, para regressar a um mundo em que a Espanha foi campeã outra vez (a Oriente, nada de novo); o Tribunal Constitucional ajuda o Passos Coelho a distribuir cacetada também pelos privados (num lar como o nosso, absolutamente 50/50, ficamos agora com a certezinha de que em vez dos subsídios de apenas um dos adultos, serão levados também os do outro) e, muito mais engraçado, o Relvas tirou a licenciatura na Farinha Amparo e à custa de enviar muitos cupões.
Sobre a Espanha, pouco me alongo, pois percebo muito pouco de bola.
Sobre o Tribunal Constitucional, vou esperar para ver, já que tenho a sensação de que muita água correrá ainda sob essa ponte.
No entanto, sobre o Sr. Dr. Relvas, tenho algumas considerações a tecer: não me interessa minimamente se tem ou não uma licenciatura, já que não entendo que esta seja indispensável à boa governação. O que me interessa, e muito, é o subterfúgio (legal, dizem as parangonas, amoral, digo eu) para alcançar o dito canudito. Se, por um lado, acho risível que se engendre tanto para obter uma reles licenciatura (let's face it, não estamos propriamente a falar do Santo Graal); por outro, como pessoa que se esfalfou numa universidade pública, com uma boa média, sem equivalências da treta, queimando pestanas e que não usa o Dr. nos cartões do banco nem em nada só porque parece bem, fico ofendida por me deparar com esta espécie de rato a fazer troça, com o seu canudo, daquilo que tenho como sagrado: o conhecimento. Uma criatura destas não pode governar Portugal, não é digna de o fazer. Um rato não é digno, sequer, de mencionar o nome do meu país. Posso não ser filha do Relvas, mas a minha falta de orgulho, o meu asco, devem contar para alguma coisa. Meus meninos, já brincaram, já pategaram, já bodegaram, mas agora, está na hora da caminha. Por favor, deixem os adultos governar.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Eu até sei que está tudo tristinho, tristinho porque nos ficámos nos penaltis com a Espanha, mas eu não pude deixar de soltar uma enorme gargalhada, pois enquanto víamos o jogo, a minha cadela (uma pequena besta pastora alemã de 43 quilos) foi fazer a sua maldade preferida: roubar courgette ao caixote. 

Graduation day!

Pois, diz que é hoje o dia em que me licencio nesta coisa da blogosfera. Depois de passar vários anos da minha vida a admirar as obras alheias, depois de me tornar comentadora de um punhado de blogues, depois de passar muitas horas a mandriar pela net, eis que cheguei à conclusão de que não podia ficar ofendida se nem sempre me respondiam, se muitas vezes os meus admirados autores tinham mais do que fazer do que estar a responder a esta gaja. Pois é, acabei por chegar à triste conclusão de que a minha necessidade de opinar anda de mãos dadas, necessariamente, com um bloguezito só para mim, onde poderei esbracejar à vontadinha sobre o tópico que me passar pela cabeça.


A note to the wise: este blog vai debruçar-se sobre crianças; animais; política de esquerda e direita; homens e mulheres; família e injustiças pessoais. Vai debruçar-se sobre moda, música e cinema e sobre dietas e livros de quiosque e obras-primas da literatura. Ou seja, vou falar do que me apetecer, quando me apetecer, porque não sou todos os dias igual nem gosto de comer todos os dias a mesma coisa.

You have been warned. Enter at your own risk e me-me-me [inserir aviso premonitório que mais lhe convenha].