terça-feira, 11 de setembro de 2012

Primeiro dia

Não há volta a dar, hoje foi um dia mesmo especial cá por casa. Hoje, dizia eu, depois de vencida a custo a constipação que assombrava 75% dos membros humanos da nossa família, o nosso Minho foi para a creche.
Palpita-me que todas as mães que já um dia deixaram um bebé de meses num sítio cheio de desconhecidas se sentiram como me senti nesta manhã, num misto de orgulho e receio, entre o querer dar asas ao passarinho para voar e a vontade quase irreprimível de o manter sempre comigo, de lhe dar mais mimo e atenção, de lhe poder dar colo em todas as horas.
Os imperativos têm muita força (diria até que demasiada) na vida de uma pessoa e, assim, já sabíamos que o Minho teria que abandonar o ninho e ir para a creche. Ora, eu sei que não sou mãe de primeira viagem e a verdade é que há muitas situações em que me vejo com mais calma, com mais serenidade, posso até arriscar (oh ego meu!) que com mais maturidade, a ultrapassar os pequenos obstáculos que são o dia-a-dia de ter um bebé pequeno. Não come? Não faz mal, a mãe prepara outro petisco delicioso na hora, em vez de passar a tarde a insistir no mesmo, como acontecia com a pobre irmã (falhando a mãe miseravelmente e ficando a menina toda contente porque não tinha comido o legume não triturado do dia). Está a fazer birra? Ora pode chorar um bocadinho enquanto a mãe toma banho, namora, dá atenção à mais velha ou faz outra coisa qualquer, em vez de ceder no momento ao capricho do infante só por não aguentar ouvir o choro ou ver o beicinho. Dorme a sesta antes do jantar fazendo prever uma noitada bem animada? Ora um dia não são dias e relativizar é bem melhor do que estar em stress que só visto a olhar para o relógio com fustigações mentais do quão péssima mãe somos porque o Vitinho já deu há que tempos.
Já tivemos cá em casa inúmeros primeiros dias de aulas e são sempre especiais, mas estes primeiros mais do que primeiros ficam sempre gravados na memória materna. Querem uma prova? No seu primeiro dia de aulas a minha filha mais velha levava vestida uma blusa de polka dot com um casaco a condizer, uma saia pelo joelho, menorquinas e um laço também com polka dot que lhe escorregavam teimosamente pelo cabelo liso. Quando a deixei à porta, cheirei-a para poder carregar comigo aquele cheiro bom a Johnsons e peganhice. Ela não se lembra minimamente disto.
Assim, neste primeiro dia de escola do Minho, chegámos e foi tudo confuso, naquele ambiente característico de local onde vários pais vão deixar os filhos de manhã. Havia bebés por todo o lado, de várias idades, a serem conduzidos para a sua salinha pelas mãos experientes de quem já tomou tão bem conta de centenas de pequenas pessoas ao longo de toda uma carreira. Porém, hoje uma dessas pequenas pessoas era minha, tão especial, tão única e tão perfeita que tive de me conter para não gritar à educadora a súplica que me queimava a garganta: «Trate bem o meu coração, vou deixá-lo consigo por umas horas. Devolva-mo inteiro, por favor.»
Ele lá ficou, feliz e contente, entretido a explorar brinquedos novos e a interagir com os seus pares. Dei-lhe um beijo e um xi-coração daqueles bem apertados, cheirei mais uma vez aqueles caracóis rebeldes que teimam em ser cada vez mais a cópia dos do pai e tive de me conter para não desatar ali mesmo num espectáculo pouco edificante de berreiro desalmado.
«Ele fica bem, mãe», disseram-me vozes compreensivas, cansadas de verem, ano após ano, este triste espectáculo que são trintonas com um ar relativamente composto ficarem transformadas em farrapos na hora da despedida. «Que ele fica bem sei eu,» - pensei, irritada, para com os meus botões - «mas eu é que não fico».
O meu marido sorria, inchado de orgulho no rebento mais novo, mas soube compreender bem este coração despassarado quando me abraçou com força, já lá fora, e me deixou soltar as lágrimas que tinha engolido.
Era um momento irrepetível. Mais do que uma sensação, fui invadida pela certeza de que a vida do meu filho nunca mais seria a mesma, que este era um momento decisivo na vida dele, um verdadeiro «primeiro dia do resto da sua vida».
Depois, os minutos continuaram a passar, tive mil e uma coisas a fazer que pareceram voar nesta liberdade recém-adquirida de ter mais tempo para tudo o resto e, quando dei por mim, estava de novo naquele sítio, com o meu bebé nos braços, absolutamente exausto da esfrega que tinha levado. E inteiro. Inteiro. Já tinha dito que estava inteiro?
Agora, há noite, pareceram-me poucos os minutos em que estivemos todos juntos novamente. De novo uma família. Depois de andar a suspirar por uns minutos para mim, hoje só queria ter as minhas crias bem juntinho e nem a birrinha de sono do Minho me tirou o sorriso do rosto.
Amanhã lá vai ele de novo. E a mana também vai abandonar-me e iniciar outro dos seus primeiros dias (tão crescida: hoje pôs a mesa, teve maneiras irrepreensíveis - algum dia o cotovelo havia de sair da mesa -, comeu a sopa toda e tagarelou alegre como um pintarroxo).
Eu vou ficar por aqui a pensar que tenho de ir comprar muita cola UHU para reparar este coraçãozito. Isso, ou marcar consulta num cardiologista.

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